Janelas

No prédio da frente alguém assiste à televisão sentado no sofá, talvez tenha dormido, pois não se move à algum tempo. Não saberia dizer ao certo, minha miopia não ajuda. Em outro andar a luz do quarto apaga, “hora de dormir”, penso, mas a do banheiro logo acende. Ainda está cedo. Fico divagando sobre as pessoas do prédio da frente, fazendo analogias com aquele filme do Hitchcock, que sinceramente, não assisti. E vou sentindo chegar aos olhos o peso que foi o dia de hoje.

Hoje o Papa rezou sozinho, abençoou à todos, em baixo de chuva, sem calor humano. Justo hoje que eu decidi rezar e pedir com todo o meu coração por aqueles que nada tem, nem mesmo informação. Por aqueles que não tem água, não tem um sabonete, nada. E me senti assim, vazia e pesada. Eu aqui, no meu prédio, reclamando do tédio e tendo a audácia de pedir por quem não tem nada, quando seria tão mais justo fazer. Justamente nesse momento em que não podemos ir e vir, eu concluí ainda de manhã que me sentia mais livre do que nunca e a tarde me aprisionei na realidade que não vivo e que não tenho se quer a coragem de ir tentar mudar, ao menos que um pouco.

Desde quando as janelas passaram de metáforas para rotina? Eu observo as vidas próximas de mim, ao mesmo tempo que me sinto distante das vidas que quero ter próximas à mim. E das vidas que me são tão ignoradas que não consigo por nem faces, nem números, nem fazer uma lista decente das coisas que podem estar faltando para elas.

Olhando pela janela chega esse peso enorme em meus olhos, em meu peito, em minha mente. Antes de sair para vomitar nesse texto eu olho para o céu. Ali tem estrelas. Teve ontem também. E no dia que olhei antes disso. Não tem chuva aqui, como tinha caindo sobre o Papa. Ainda assim dá para se sentir realmente abençoado? Mesmo que não seja sobre religião. Por um breve segundo foi assim que me senti. Lá, onde nada eu sei sobre, ainda tem alguma estrela. E ela lampeja em mim antes de eu voltar a pisar nesse chão dolorido. Quando que liberdade passou a ser não mais permanecer? Quando que a dor se tornou tão dormente para quem não a sente?

Não se deve terminar textos com perguntas, mas certamente não deve-se também viver assim.

Naiara Pires

 

Photo by guille pozzi on Unsplash

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